sábado, setembro 27, 2008

os barrigas cheias de teconologia

estou com Eduardo Pitta: não há paciência para todo este burburinho anti-Magalhães, vindo de quem tem a barriga cheia de tecnologia.

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quarta-feira, setembro 24, 2008

Coisas do sorriso

E se, por absurdo, o teu sorriso se partisse!
Estás a ver aquela baixela, que era um cume de loiça de uma mulher sabida
leia-se uma antiga terrina
protegida pelo pó no canto da sala
espalhando a tua imagem de anos entre as tábuas do soalho
e os cacos de porcelana?

Dele, o que recolhes?
O fio confidente do verniz!
Coisas dos nossos segredos!

Coisa que tens receio de estalar com frequência
perdendo a minha vida (por momentos) o teu rosto
e todas as suas novidades.

terça-feira, setembro 23, 2008

Citânia

A esta hora já a Mónica acabou o seu Tolstoi, prepara-se para o «Guerra e Paz» e a Helena lavou o corpo do sal do Mediterrâneo.
Por vezes temos de nos esconder um pouco, apagar o rasto. A vida feita por dentro como se criam os miolos nas nozes e por isso têm sabor quando partidas.

Preparo amarras, ainda soltas e armo as artes para aportar em algumas ilhas do Atlântico. É uma liberdade de andar neste vosso mundo sem ter de fazer sombra na vossa contra-luz (Galiza, Grécia, ou outra) que me ilumina como se fosse uma fortificação.

O vinho que fica à espera de três copos. Trarei sal e sol na pele com o corpo mais descansado.

Já escolheram o local provável onde seremos outra vez a sombra onde nos sitiámos?

segunda-feira, setembro 22, 2008

...enquanto...

Parece que cheguei,mas não. Parece que havia cais mas não, era pedra. Tenho ficado no mar que tenho para escrever. Tenho ficado cativa na viagem que há para contar. E enquanto não a disser,nada se diz. Tenho o sal mas não já o mar. O tempo como as marés ou o vento das velas. Será que já não chego ou tenho a viagem para aportar no outono?

sábado, setembro 20, 2008

o dia das inagurações


hoje fui (pela mão do mano Nuno) à famosa inauguração simultânea de exposições que acontece a espaços ali para a zona onde as galerias de arte do Porto resolveram juntar-se. por sinal, uma zona que me é especialmente querida pois ali tive a minha primeira casa (e, antes dela, por ali sarandei muito no tempo da faculdade, das queimas e da FAP). só podia, portanto, ter ficado muito feliz por encontrar Miguel Bombarda e o Rosário num bulício de gente, de lojas insólitas e atrevidas e de cafés e barzinhos cinematográficos (um em particular, instalado numa oficina de automóveis abandonada, à qual nem sequer consertaram o tecto em ruínas e os azulejos partidos das paredes, tendo a fossa onde os mecânicos se enfiavam para mexer por baixo dos carros sido convertida numa instalação que lembrava um túmulo).

gostei de ir (a pé, mesmo chovendo um bocado) com os filhos a tiracolo e de voltar a tropeçar em várias caras que antes encontrava, mas na noite. eram quarentões aos molhos e muito mais crianças que o que poderia prever. gostei de conhecer o CCB (Centro Comercial Bombarda), uma galeria comercial (que imaginava ainda o projecto falhado que foi durante a dezena de anos que se seguiu à sua construção) onde agora se vendem peças únicas (móveis retro e extravagantes, chapéus, bonsais, etc.) e cujos corredores estavam cheios de gente animada.

sim, também estive nas exposições. mas, já aqui o confessei antes, tenho muitas dificuldades com a arte. numa única galeria encontrei quadros que talvez trouxesse para casa. gostei mesmo foi de ver o meu Porto mais querido a respirar intensamente. e para casa trouxe apenas 4 livros (por 8,5 euros, encontrei-os num espaço do CCB onde uma banda tocava para umas dezenas de pessoas e, a um canto, uma mesa vendia livros usados a 1, 2,5 e 5 euros).

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quinta-feira, setembro 18, 2008

uma abelha no metro


uma abelha apanhou o metro, tresmalhada na ponta da manhã. sobressaltou uns, foi vigiada pelo olhar de outros e rasou sem incidentes cabeças distraídas em sonos por resolver. uma abelha perdida, certamente desnorteada com os perfumes inférteis das mulheres e enjoada com as travagens da composição. voando cada vez mais pesada e lenta, alapou-se depois, ofegante, ao vidro grande que, não compreendia ao certo como, a separava de um campo verde lá fora.

nisto, um passageiro, até aqui razoavelmente impávido com a abelhuda passageira, dobra com vagar e afinco o jornal gratuito que guardava no saco e, num gesto rápido, sonoro e inesperado, esmaga, sem resistência, o insecto contra a janela, assustando de morte um puto sentado em frente que, de mp3 e phones, viajava noutro mundo.

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domingo, setembro 14, 2008

chegar ao atlântico


Cheguei. Venho só deixar o sabor do sal, recolher as redes e dizer que escreverei tudo desta viagem que se fez num barco. Em muitos portos de algumas ilhas escrevi posts por dentro, depois de lançado o ferro, amarradas as cordas e recolhidas as velas. Na hora do gin, no quietar do marear, no sossego das águas. Escrevia posts com sal. Com vagar contarei agora tudo como num diário.

adeus aos mares


Ana Karenine


estes dias só apetecer continuar Ana Karenine, o romance que sobrou do Verão e que, a meio das 700 páginas, me garante ainda muitas noites a sorver uma história intensa numa escrita fascinante*. é por livros assim que acho justíssimo que os clássicos sejam um must: é porque são de sempre e para sempre. porque resistem quando mais nada parece respirar.

conforta a certeza de que haverá sempre livros assim, de uma densidade capaz de nos manter à tona do mundo e do nosso cansaço.

*apesar das demasiadas gralhas, é notória, mesmo para uma leiga, a qualidade da tradução (de José Saramago)

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intervalo


apetece pouco o mundo estes dias: este país, este futuro, este mini-universo incivilizado que é o condomínio, esta incerteza no trabalho, este despertador que toca mais cedo cada manhã amputando-me as noites. apetece pouco pensar. escrever. rir (o que é dramático). sou um campo há muitos dias açoitado pelo frio e pelo vento, mal acreditando na sua memória do Verão. sei que tardes quentes e solares voltarão um dia e que da terra brotará uma vida inesperada que ninguém semeou. e conhecerei de novo a vontade, meu eterno retorno.

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quarta-feira, setembro 10, 2008

Big Bang

Algures em Genebra,
dizem que começou hoje
a maior experiência científica
da história.

Aceleram partículas à velocidade da luz
num túnel que imagino,
por receio, quase igual a um mesmo túnel
de onde saí a correr um dia
ao tentar fazer uma ressonância magnética.

O Big Bang que conheço,
porque físico não sou,
já me aconteceu duas vezes:
- uma, quando tirava um robalo do forno
e o pirex se despedaçou no meio do chão;
- outra, quando num fim de tarde
uma mulher (que ainda me é bonita!)
me despedaçou o coração.

terça-feira, setembro 09, 2008

Caderno de música?

Fechado que está o caderno de duas linhas, no próximo Verão talvez façamos música. Terá a vossa letra bonita em cinco linhas, eu juntarei outras e músicas como esta, que aqui fica para aguçar o apetite.


segunda-feira, setembro 08, 2008

caderno de duas linhas IX - FIM

Sim, ainda aqui estou à espera como um farol que ilumina o destino dos barcos ao Porto certo. Ela vive agora num círculo de giz, disse-me à pressa ao telefone o Labitinha (que a contactou) e disse, entre um «volta, deixa lá, bem a Coimbra B beber um copo!», que criou raízes num perímetro cada vez mais estreito e suspeito, razão íntima para o nosso eterno desassossego. Não apareceu hoje. Pronto, tenho que acreditar que anda doidinha para aparecer como um astro novo no firmamento. Sinto que estou perdido. Estamos perdidos. Quando fomos abelhas e tínhamos asas e essa mobilidade que nos dava dez reis de juventude, sabíamos o sítio onde nos encontraríamos em busca do pólen necessário. Vivemos agora numa linha dúctil, que de tão forte se parte, porque partimos. Mas há uma energia mínima que nos acende o desejo. Segredos que só nós sabemos e que não posso contar-vos no seu todo. Contamos aos poucos por aqui…
Apanho o primeiro comboio que passa. Desço para o Sul onde os ossos ganham cálcio, os olhos novos lugares e os dedos se apertam durante a noite, uns entre os outros, como as contas contadas num rosário.
«Vai entrar na linha 2 o comboio procedente do Porto, Campanhã com destino a Lisboa, Sta. Apolónia. Atenção à sua passagem!»
Ouvi e saí. Campanhã e Sta. Apolónia. Se fosse homem de fado diria, diria ao Labitinha - que já estava à espera na plataforma de calções - «ouve, perdi por momentos o risco dos meus amores, que só o são na sua essência!».
Mas nada disse. Saltei para a plataforma de Coimbra B, apertei a mão ao Labitinha e dirigi-me para o bar.
«Pago um copo! Meteste-te com mulheres velozes, foi o que foi!» - disse ele, ajeitando-me a cadeira do canto.
Não comentei. Olhei de frente para o balcão e pedi à Cristina um gin tónico e um vinho do Porto.
«Estás doido?»
Acho que ainda disse. É por estes copos que me desassossego com as duas. Uma partiu. Outra ficou. Bebi os copos de um trago, saí para o carro e voltei a casa, pensativo. Que húmus temos ainda em comum? Lembrei-me do poeta «nunca estivemos tão perto de ser música…», queres ver que só as tornarei a ter, assim, presentes como um presente, num caderno de música?
Deixarei andar o tempo. Lá para o Verão, verão, haverá outro caderno de duas linhas… mas o que eu queria, confesso, era no entretanto do tempo um copo a três!

sábado, setembro 06, 2008

donos do meu silêncio


o dia todo a ouvi-los e ao alvoroço das gaivotas sobre as clarabóias. fazem piruetas sobre o rio mais abaixo: desafiam a gravidade, a vida e um património de silêncio que não lhes pertence.

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caderno de duas linhas VIII

fui avisada de que ele viria mas mergulhei no trabalho da estação, os horários a cumprir, os apitos constantes, as agulhas viradas para o resto do mundo e, num instante, deixei cair a vontade de viajar e a areia que ainda me restava nos pés. o David já chegou, aposto que o encontro num desses bares manhosos da linha de táxis (deve estar a pensar como Campanhã tentou mudar, modernizar-se, plastificar-se, com a chegada do metro e tal mas depois dá-se um passo em volta e é o Porto oriental, feiote e autêntico de sempre). ele já não fala disso mas sei que nunca se conformou, o David, com esta sina de nunca mais, desde que estamos na linha, termos conseguido beber um copo os três.

não sei como hei-de dizer-lhe que está perdido connosco. soube que a Helena partiu de Coimbra-B rumo a Tróia, ou à Grécia, já não sei. o seu ofício é estar sempre pronta a descolar deixando para trás recados escritos e pontas de cigarro tingidas de baton. quanto a mim, crio raízes cada vez mais fundas nos lugares de todos os dias, os movimentos que consigo arriscar desenham um perímetro cada vez mais estreito e suspeito mesmo que um dia deixarei de ser capaz sequer de sair de Campanhã.

isto, mesmo quando acabo de chegar e sei que foi bom ter partido e ter estado tanto tempo num terraço a ver outro mar e a ouvir outra língua. estive perto, muito perto, já ali na Galiza, mas é já outro país, como se fosse outra região do globo. admiro a sabedoria dos espanhóis em conservarem para si esse pedaço do litoral norte da península que mais lembra o mediterrâneo: praias recortadas na costa onde o máximo que sopra é uma brisa e o mar é limpo e quente e meigo como no Algarve da minha infância (e, como se fosse uma grande coisa, deixarem para nós os areais varridos pela nortada e as águas gélidas e revoltas até ao Cabo Carvoeiro). as praias da Galiza deviam ser um dos mais poderosos argumentos a favor da integração do nosso país na Espanha (outros seriam a siesta, o tinto Rioja ou os calamares).


se aquele bocado de litoral fosse nosso, mesmo que eu deixasse de conseguir atravessar fronteiras, teríamos sempre a Galiza.

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quinta-feira, setembro 04, 2008

Caderno de duas linhas - VII

A entrada em Campanhã de comboio é uma visitação de um templo antigo. Nada mudou. A fronte de pedra negra no branco caiado, o negócio oculto, as gentes sem pátria e sem anjos de asas para fechar ou abrir, cavalos-vapor dos comboios como Pegasus de Poseidon, procurando alimento e novo rumo como nas velhas mala-postas, Porto seguro.

Não sei se o Labitinha a avisou da minha chegada. Saltei ligeiro para a plataforma, entrei num daqueles bares antigos ao pé da linha de táxis, pedi um Porto branco das manhãs (uma lágrima de Cristo!), acendi uma cigarrilha, distraí-me por momentos na capa do Jornal de Notícias e logo rebobinei memória. Já fomos notícia de jornal, outra vida. Recordo da última vez que a vi, que ela tinha nestes anos acumulado um calo no dedo médio de muita escrita, os mesmos dedos curtos e finos como balas de carabina, uma aliança no anelar a pedir fogo e serradura para voltar a brilhar (mister de ourives!) e uma voz suave, que senti pela primeira vez entre um acorde de viola, quando pernoitávamos pelas serras. São lápis acumulados a verter palavras, são óxidos no ouro redondo das promessas a cumprir, é sol de manhãs e fins de tarde a ouvir o vento à beira-mar.

O dia começava a crescer, desenhando sombras na praça, junto aos jogos de água, onde acertaríamos o tempo com a rotação da terra. Lembrei-me, depois, que coleccionava imagens de gárgulas nos edifícios. Descobria esses diabretes das muralhas, sacava da máquina fotográfica, ajustava a distância e, feito o passe milagroso, visionava no écran a alma apreendida e começava a rir, a rir como uma menina ri de um mágico de rua no fim do terceiro passo. Depois, cerrava os olhos, acendia um cigarro, perdia a fala e entristecia. E isso causava-me um desconforto imenso.
«Acorda menina. São horas!» - dizia-lhe muitas vezes!
Não me ouvia. Segurava o queixo na mão esquerda e rabiscava em letra miudinha a toalha de papel da mesa da esplanada. Cada letra era um desenho, parecia um código hieróglifo, senha enigmática para me perturbar. Alfabeto grego?
«Acorda menina. São horas!» - repetia-lhe uma vez mais baixinho ao ouvido.
E ela, na sua cumplicidade com o mundo, espreguiçava-se como um gato e rodava o corpo para o sol. Lembro-me da outra mulher por momentos. Onde andará? E esta, terá tempo no tempo para aparecer? Quem me dera...

Termino esse jogo de molhar os lábios como um Pegasus no fim do copo de Campanhã. Volto à estação, talvez se tenha enganado no meu horário. O Labitinha não é um relógio suíço. Descuida-se muitas vezes. São 16:03. Não sei se aparece. Deixo aberto o caderno de duas linhas.

segunda-feira, setembro 01, 2008

Caderno de duas linhas - VI

Darque

«Vamos por aí!» E, pelos vistos, foi. Quando regressei dos lavabos, nem mulher, nem saco, nem ruído que anunciasse a sua partida. Tinha já obrigação de saber que em 2 minutos ela corta a linha, sempre foi assim. Deixou uma nota de dez euros debaixo do copo, como os artistas americanos fazem aos dólares nos filmes, a ponta do cigarro marcado do batom ainda a arder no cinzeiro e um rascunho nas costas da folha, que me pareceu uma sequência de alfabeto grego. O Labitinha olhava-me com uns olhos de ternura, tão baixos como aqueles que mal cruzamos quando nos dão um abraço.
«Um comboio parou e ela meteu-se nele… nem tive tempo…» - disse e retirou-se para o seu velho lugar de chefe de estação. Ali fiquei olhando o relógio grande, analfabeto funcional do tempo. O bar cheirava a álcool barato. Peguei na nota para pagar o nosso prejuízo e procuro lá do fundo o Labitinha para gastar o troco num último trago, desculpas do coração. Estava ao telefone, animado, sorria-me de soslaio, numa conversa tão vulgar que só me foi familiar quando ouvi a palavra «Darque».
«Darque?» - pensei. O Labitinha é assim. Por isso, a sua alcunha alternativa é «compensan». Já estava a ligar para a mulher de Campanhã, a contar tudo como uma alcoviteira. Que a mulher de Lisboa tinha fugido, que me era bom o seu regresso, que eu estava estatelado no mármore frio da mesa, que era melhor não desfazer as malas, que… sorria, piscava-me o olho, que ela ainda tinha areia nos pés, que Darque é um sítio bonito, repetindo-lhe uma história antiga que eu lhe tinha contado, «a Volta», dizia, «a Volta, lembra»? e ela que o confirmasse.
Desligou e avançou para mim, decisivo.
«Ainda há dinheiro para pagares um copo?» - disse, sentando-se na cadeira do canto. Tinha os olhos brilhantes, bom sinal. Chegava outro comboio. O Labitinha olhou-o sabendo largo das suas procedências e desafiou:
«Este já não é para ti, é o de Irún, mas daqui a 12 minutos faz paragem um inter-regional para Campanhã. Tens cócegas?»
Campanhã, Darque, a outra mulher. Estranhamente foi com esta que perdi há muito o resto das letras do alfabeto grego. Histórias que quase aconteceram, o último contacto das coisas que fascinam.
Há que esquecer por momentos a mulher muda. Mudar a agulha, mudança de linha. Eu sem a ler, ela sem me ver. Corri a estacionar o carro no parque. Está decidido. Vou sem bagagem, vou para Campanhã no inter-regional. E nem preciso de dizer nada. Se conheço o Labitinha, ele encarrega-se disso.

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