sábado, setembro 29, 2007

outra espécie de seres vivos

está dado mais um passo para que todo o país evolua à semelhança de Vila Nova de Gaia, Felgueiras, Oeiras ou a Madeira. é o despontar de uma nova era: batráquia, selvagem, difícil de engolir.

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meninos da cidade


I, 7 anos, ontem: "avó, avó, está ali um bicho que parece mesmo um ser vivo"

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quinta-feira, setembro 27, 2007

Birmânia

Algo me diz, que algures na Birmânia, um monge caído ainda teve a elegância de limpar com o seu manto a biqueira da bota do militar e, ao ouvido, rezar-lhe uma ladainha que fala de justiça e que só se ouvirá, ouvido a ouvido, na creche onde um dia o militar levará todas as manhãs os seus filhos.

Milagres

A nova Taça da Liga tem destas coisas. Competição que ainda não tem história para gastar adrenalina. Vi pela TV como um velho num lar de 3ª idade olha a Júlia Pinheiro nas tardes da TVI. O Benfica apresentou um novo jogador junto à linha com uma bandeira na mão, como cavaleiro de touradas, depois do primeiro ferro curto. Fabricou o golo do empate. Um Porto maricas, diz FJV, foi comido na nova catedral de Fátima. E até o meu treinador do Sporting, antes do fim da lotaria dos penáltis, já tinha aceitado a derrota, felicitando antes do fim da contenda o treinador adversário. Carlsberg Cup. Nem disso bebi, como o faço no futebol à séria, provavelmente a pior competição do mundo.

quarta-feira, setembro 26, 2007

foi há dez anos

foi há dez anos e até custaria acreditar se não fossem as fotografias, povoadas de pessoas desaparecidas, a prová-lo. fotografias cheias de gente que então existia e preenchia a nossa vida e que desapareceu: mortes, separações ou simples mudanças de mundo.

custaria a acreditar, ou não fossem as outras pessoas que entretanto nasceceram na nossa vida: duas crianças que nos crescem em casa sem qualquer espécie de controlo.

foi há dez anos mas, fora isso, parece que foi ontem mesmo.


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terça-feira, setembro 25, 2007

Correspondência

Antigamente, no outro século onde nascemos, uma carta armada de palavras construídas a cinzel era uma pastilha que nos agitava o resto do dia. Bem escrita (demorada que era horas ou dias a escrever!), às vezes com rasuras como os sentimentos escondidos, era, - como escreveu num outro século ainda o libanês Gibran Kahlil Gibran sobre os vossos filhos – o arco e, por ele, as vossas setas projectadas.
Um e-mail, como o que recebi hoje, tem neste novo século a mesma fragilidade e a mesma doçura. E a mesma resposta: corresponder. E respondi ao e-mail:

«Claro que não. Andas aqui de vez em quando muito perto do coração. Mediaticamente? www.ldonorte.blogspot.com e no e-mail antigo, para que me digas dos teus dias. Uma noite destas, deixa chegar o Inverno e a chuva miudinha, acendo uma fogueira na sala, ponho música baixa e deixo-te um copo cheio, sobre a mesa e um cinzeiro fundo. Deste desejo aviso. Para já, contenta-te lá com um sorriso e 1 beijo.»

Redacção

Estás autorizada a publicar o que pensas que sinto.
Redacção.
(Um sopro num pulmão).
Cabe tudo numa linha.
Permito-te duas:
Se não te morrer na tinta da caneta num ponto final
e se deixares na segunda
a borrão
um ponto de admiração!

domingo, setembro 23, 2007

"O que sobrou do verão"


"O que sobrou do verão, alguns
cabelos, a luz da pele, esses gritos
anunciando a migração
das andorinhas do mar, o que sobrou

não o procures na minha boca;
nunca o deserto floriu nos lábios, nunca
o silêncio, essa flor rara, foi cristal
na madrugada;

o que sobrou do verão ilumina outro céu,
caminha e caminha
sobre águas mais limpas,
não voltará tão cedo, não voltará

a estes leitos, estas palavras."

Eugénio de Andrade, in Branco no Branco (1984)

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setembro aleatório

Gosto de tranquilidade, que se derrama como a luz, do começo das tardes de sábado. Depois da azáfama das manhãs, da mesa levantada e do café forte, entra pela casa, misturada nesta luz ainda límpida, uma tranquilidade espessa e macia. É a hora onde se concentra a alma do fim-de-semana, a hora de todas as horas sem definição. É o respirar. A disponibilidade para as coisas pequenas, confirmar a tabuada dos quatro e fazer o cálculo mental da conta pousada no caderno, como se nada pudesse ser mais importante no mundo do que esses pequenos vagares ainda luminosos sobre Setembro.

Gostei muito de um livro de pequeno: “ Um Estranho em Goa” do José Eduardo Agualusa. A BI, Biblioteca de editores Independentes, publica agora uns livros de bolso a um preço acessibilíssimo. Este é um deles, que trouxe quase a correr e que no meu saco me deixou um cheiro forte e intenso a Goa nos meus dias de Lisboa. Era o segredo do meu vagar da hora de almoço, quando fugia da azáfama para acreditar que o mundo é grande, grande. Muito para além da secretária devoradora. Gostei muito, muito. Triste de ter acabado tão depressa e me ter deixado tão só, em Lisboa.

Ao fim da tarde de Setembro já se põem um vento agreste a lembrar o frio na pele. Já venta fim de verão. Mas a noite quieta depois e tem uma calma serena.

sábado, setembro 22, 2007

porquê?

"«O que poderá levar um homem a destravar uma cadeira de rodas?», perguntou Mister deLuxe num tom de voz muito baixo. «A monotonia, a solidão, os sonhos espremidos até ao ossso, o falhado desejo louco de correr até o coração nos saltar pela boca», sugeriu Austin. «Acho que não, Austin», disse Mister DeLuxe, «acho que é a cadeira de rodas, ela mesmo»."

O que diz Molero (Dinis Machado, 1977)

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amigos de Alex



banda sonora para o confronto dos que ficam.

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quando a morte sai assim à rua

quando alguém nos parte assim ficamos gelados, cheios de "e se", suspensos, desesperados por um recuo, uma última oportunidade, que não virá ("no more beginnings"). não fomos sufcientes. talvez nunca sejamos suficientes para segurar o fim, o apagar de uma chama ao vento cru da sua vida. é um murro no estômago perceber isso, toda a nossa inutilidade.

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sexta-feira, setembro 21, 2007

eu às vezes

eu às vezes queria a vida de pessoas com quem me cruzo (nas ruas, nas estações de metro). queria-lhes o quotidiano, o jeito de andar, o tom da pele, o pensamento - fantasias e desejos que trago comigo e neles desenho.

eu às vezes queria ser a vida dessas pessoas.

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EPPUR SE MUOVE

Agora que cai uma trovoada intensa sobre Coimbra B, lembrei-me da terra e da sua rotação e translação e, no site abaixo, possibilitando vê-la ao vivo, em tempo real, via satélite, bastando clicar em F5 (a ctualizar) e em qualquer dos pontos do mundo.

http://www.fourmilab.ch/cgi-bin/uncgi/Earth?imgsize=1024&opt=-l&lat=350.45

E lembrei-me de HR, declamando nas Mimosas e de Mário Viegas, num LP, que ainda guardo:

Poema para Galileo
(António Gedeão)

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas- parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.

Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.

Nós apeadeiros

DA é uma das nossas estações afectivas. Apanha a linha em apeadeiros incertos e o seu bilhete é sempre um maço de palavras. É educado. Pede autorização para entrar. Hoje está autorizado.

Nós Apeadeiros

Não me sucede agora já tanto,
agora que sou meu terminal apeadeiro
mas em menino sucedia
bastava desejar a ferrovia
e partia.

Gostava das janelas dos comboios
de sua rápida exposição de fotografias
a ínsua de molhadas laranjeiras
volvendo-se silo de rações
passando a casas por acabar de fazer
as varizes das guardas-linhas
traçando hemomapas a gatos e a filhos
cujas sobrevivências eram mortes e vidas
como aliás são chegadas todas as partidas.

Nisto se me resumem comboio e fado:
só queria a ferrovia de ter partido
não esta de ter chegado.

quinta-feira, setembro 20, 2007

Mourinho

Mourinho é um diamante em bruto.
Para uns um diamante.
Para outros um bruto.
Saiu cheio de diamantes
pagos por um petróleo em bruto.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Sobre livros de que M me quer ouvir


Não sou assim um homem de livros pelo seu todo. Ganhei o vício de folhear vários ao mesmo tempo, que não é ler, é debulhar como se faz às espigas. Olhando daqui a estante, diria que tenho partes de livros inteiros decorados e, noutros, uma frase que me ficou na memória como um amor a que tenho de voltar, tempo no tempo, como certas músicas.
Nenhum recuso, nenhum me mudou a vida pelas suas letras arrumadas pelo autor. Tenho então dificuldade em dizer a M e à corrente o que de mim querem, por ser beija-flor ou corpo de abelha altruísta como se fossem flores para cheirar.
Há livros que li quase inteiros, como faço com os filmes (adivinho parágrafos como legendas e leio-os passando). Há livros de que gosto apenas da capa e de os ver aprumados e do seu cheiro que sei a que cheiram. Outros marcaram-me apenas momentos da vida, uma oferta, uma compra pelo sítio onde os comprei, outros com mapas de caminho – os livros de viagens! -, outros ainda porque me recordam homens e mulheres, que esses sim, me mudaram ou não a vida em definitivo. Nesta última categoria, sabes, está «O Que Diz Molero», porque foi oferecido, tem cheiro, sítios, mapas, imagens de homens e mulheres por quem continuo a ser um beija-flor. Estás surpreendida? Acreditavas que sou leitor compulsivo? Se tivesse que ler todos os livros inteiros que me chegam às mãos precisava de viver 500 anos e já não tenho corpo para isso. Gostaria um dia de ser Octopus, se estivesse livre, mas isso é conversa para um jantar com um bom copo, porque também decidiste que eu seria nestas vidas um «dizmol81», uma senha que respeito no peito.








terça-feira, setembro 18, 2007

Liga dos Campeões? Não resisti a este post na hora

Mesmo que dirigido por um antigo touro ribatejano e comandado por um macho ibérico, o Benfica subiu à passerelle de Milão, capital da moda, com o seu traje cor-de-rosa. Bonito para o local, nada eficaz para a competição. O rímel sul-americano e o botox Rui-Costa-Berardo-português nada ajudaram a um jogo com regras para homens de barba rija. Sim, faltou Petit com pêlos no peito. Mas bastava olhar para o Gatuso, sangue na boca, barba e bigode adequado à tarefa, para perceber a diferença. Neste tipo de jogos, vistas as regras, os regulamentos da UEFA não deveriam permitir a segunda parte. Suja-se roupa para outros desfiles sem necessidade. E Nuno Gomes, que até sabe de futebol italiano, onde andou? Ficou para o final em papel de Madonna, pela táctica da moda guardada no banco, para o desfile final com o costureiro do regime.

resposta ao repto de M

Aceito o repto de M relativo aos livros que não me mudaram. Desde já as sebentas de álgebra, análise infinitesimal, topologia e afins que fizeram de mim uma matemática desnecessária. Incapazes de me porem a alma e a vida em papel quadriculado. São os que me ocorrem de imediato. Volto depois de pensar se houve mesmo livros que me mudaram a vida….

Evia- a Grécia que perdi à pouco...














































sábado, setembro 15, 2007

sabedoria

"(...) Mas, primeiro, ainda pensava que me procuravam porque pretendiam doutrinar-se de mim. Não é nada disso. Querem, muitas vezes, quase as vezes todas, de mim, apenas isto: que lhes faça a vontade. Uma vontade é respeitável e com os anos aprendi esta simplicidade. (...)"

Besugo, no blogamemucho

e os que não mudaram

depois de tanta conversa e de tanto post, estava a ver que ninguém me lançava a bola. mas afinal o jcb lá me perguntou quais os livros que não mudaram a minha vida. à falta de melhor definição do que é que afinal não nos muda, vou ficar-me por desilusões recentes e por uns quantos títulos retirados ao acaso da prateleira onde arrumo os livros que não me interessam:
  • Jerusalém Gonçalo M Tavares
  • A jóia da família Agustina Bessa Luís (não passei de meio)
  • Os outros Martin Amis
  • Muito meu amor Pedro Paixão
  • A costa dos murmúrios Lídia Jorge (fiquei a menos de meio)
  • O livro do meio Armando Silva Carvalho e Maria Velho da Costa
  • A torre da Barbela Ruben A.
  • O eixo da bússola Mário Cláudio
  • Gente de Dublin James Joyce
  • Em busca do tempo perdido Marcel Proust (ainda cheguei ao 2º volume)
lanço o testemunho ao D, à H (mesmo se vocês nunca me ligam), ao rui, ao nuno e ao francisco.

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ex?


só há uma forma de lidar com os ex: eliminá-los. matá-los. pode-se atingi-los, conforme os casos, em diferentes pontos do seu trajecto:



  • no antes do ex: decidindo que não chegaram afinal a ser (namorados, amantes, whatever), devolvendo-os grau zero das relações. depois podemos ficar amigos, ou não. acontece com os amores de criança e adolescente. guarda-se por eles a ternura que envolve tudo quanto se viveu no país de cristal. a mesma saudade das brincadeiras no recreio da escola, das primeiras descobertas e das férias grandes. mas não são ex-nada.


  • acabar com eles quando eles acabam connosco, numa luta corpo a corpo, de igual para igual. requer orgulho qb, uma pitada de ódio e muita raiva. lava-se tudo com um balde de lágrimas, cozinha-se em lume brando durante um ou dois meses e o resultado é infalível: alt ctrl del. amigos de quem? para quê? ex-quê?


  • guardando-os para sempre (na pele, no coração), actuais, platónicos, suspensos. muito perigosos. e desaparecendo do seu mapa. porque na verdade, nunca acabamos, só nos interrompemos.

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sexta-feira, setembro 14, 2007

Zamora Magia

Levo daqui uma chave que me deram para entrar por esta porta. E argolas, corda, balões, cartas e uma pomba branca para testar magia nas antigas praças de Zamora. Estaremos nas XIV Jornadas de Magia, apoiando o Paulino e todos os nossos amigos mágicos. E também levamos farnel, vinho e queijo para a gala de sábado no Teatro Principal, combatendo o queso zamorano e os vinhos de Toro. Sabores trocados, saberes contados, tudo num passe de mágica. Se quiseres vir, telefona logo passada a fronteira. Encontras-me facilmente, tantas são as ruas que vou percorrer devagar, deixando pelo sol um rasto de sombra fresca que podes seguir até ao cair da noite. Magia de calle. Não vens? Regresso para a semana para te contar. Depois diz que não te avisei.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Talasnal Hamlet


No livro do Saramago «Viagem a Portugal» há uma referência cuidada, que um dia cuidei de levar para um campo. Na eira do Paulo li uma noite para os que me quiseram ouvir as páginas 98-100 da minha versão como quem lê de um espelho, porque no livro há uma foto do castelo da Lousã e ao cimo a eira e o Talasnal. Li do espelho, lá de cima para todos que, ouvindo-me, viam também lá no baixo da luz uma torre de pedra inofensiva. Um castelo para Hamlet, escreveu Saramago. Um bom sítio para o nosso jogo do «pisca», digo eu.

para a nossa iconografia do Talasnal II

"Talasnal

Paira qualquer coisa nestas ruas
dessa gente d'outrora
que apetece cantar, que apetece cantar
que apetece cantar

Em tempos que já esquecem
em terras que envelhecem
as vidas que endurecem
por anos que acontecem

Nas casas onde houve abraços
sentou-se à mesa o vazio
olhou-se para além dos mares
a esperança soprou navios

E o sonho foi desencanto
e a aldeia ficou deserta
"vende-se" escrito num canto
onde a porta esteve aberta"

(letra de D, Armanda A, Clara e Zé V para uma música de Vasco G)

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para a nossa iconografia do Talasnal I

o livro do Paulo Gouveia Monteiro que disseca sociologicamente a terra que o Talasnal foi antes de ser nosso.

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Talasnal

Só lhe dei verdadeiro valor quando acabou a peregrinação anual à casa, à fonte e à eira, o fim das passagens-de-ano e das viagens regulares com HR (a sua morte!) e PR e quando tive que sobre a aldeia escrever. “Os Campos” tem texto no «há uma flor debaixo daquela pedra», livrinho que mudou de nome por quase-auto-sugestão, depois de sugestão de M, onde guardei para os amigos estas palavras:

Lá apetece cantar o que paira nas ruas e, na eira, há uma lousa de xisto mais velha, talhada do monte ao longo do tempo pela brisa que faz dançar os castanheiros. Nessa lousa podemos sentar-nos a fiar os dias, enquanto o sol nos leva do Trevim ao castelo na vertigem das horas.

Talasnal ficou-me marcado na pele com o campo do “circo”, - H terá memória suficiente para nos dizer um dia! - e umas passagens-de-ano onde a nossa geração ganhou uma revolução de veludo. Sei por escritura pública que tenho um bocadinho de xisto no Talasnal. Sei pelo coração que logo abaixo da eira tenho um talhão ávido das minhas cinzas para ir directo ao céu ou, como desejo, a levitação num fogo-fátuo para uma estrela de Molero como um balão desprendido do seu cordel. Ainda ouço com os olhos bem fechados as tuas palavras no escuro das casas desabitadas, «deita-te para aqui, não me vês?», coço-me muitas vezes próximo às 5 da manhã do colchão-chão-de-pó onde dormíamos (a hora a que ele chegávamos!), o último cigarro quando fumávamos e tu a fazer a cabeceira com os livros que connosco viviam felizes por serem lidos. Lá, num verão quente, também vivi um amor entre os castanheiros, outros colchões-chãos-de-pó, (ouvia-se sempre um acorde de viola acordada ainda na eira!), comíamos tartes de amora e deixávamos segredos escritos nos sacos-cama como se salmos de uma nova Bíblia estivessem a ser escritos para novos crentes. M trouxe-me um desafio. A ela prometo: breve, muito breve, vou ao Talasnal com o coração, nunca com o registo predial.

segunda-feira, setembro 10, 2007

claro que fui à eira

à eira do Paulo, como aprendi a chamar-lhe, que é como quem diz à nossa eira. olha o que lá dizia:



estava legendado o Talasnal, escritas as coisas que o tornam tão nosso. olha o que dizia na casa:




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Sicó Magia Final

© Malo, Malíssimo (EUA)


© Alberto de Figueiredo (Espanha)

© Jean Philippe Atchoum (França)
Meu malmequer. Desfolhei-te com magia que fui buscar aos confins do mundo. Mandei procurar no meio da multidão um anel, que ao fogo do mágico descalço, te garanto, é um anel forjado para o teu dedo. O balão ficou suspenso com uma mensagem que diz que para o ano serás bem me quer. Já disseste? Ainda não ouvi. Deixa-te outra vez ficar por casa… depois telefona e diz que não te avisei.

domingo, setembro 09, 2007

magia IV

eu hoje estive aqui. sobre magia estamos conversados.

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sábado, setembro 08, 2007

Sicó Magia III

© JJ (Inglaterra)


© Peter Wardell (Inglaterra)


© Doctor Marrax (Alemanha)
Dominar o espanto é privilégio de alguns. Tu, que pensas que sabes tudo, és neste palco de rua tratada como um malmequer, desfolhada de todas as velhas certezas. Há frasquinhos de pó para todas as tuas maleitas. Há cordas que se cortam e se unem como antigos amores. Há balões que te deixam mensagens suspensas no céu, se um dia disseres que lá podemos chegar. Disseste? Ainda não ouvi. Estás bem de corpo de abelha! Não queres ser malmequer! Deixa-te ficar por casa… depois telefona e diz que não te avisei.


sexta-feira, setembro 07, 2007

Sicó Magia II

Já tinha anunciado em reclame sumário. O prometido é devido. Mas o prometido também é dividido. Começa amanhã logo pela manhã e até Domingo o I Festival Internacional de Magia de Sicó. A partir das 10:00 horas há espaço público na RTP1. Repito: depois digam que não avisei.
Mais informação em http://www.terrasdesico.pt/noticias-11.html ou em http://www.asbeiras.pt/?area=leiria&numero=48682&ed=07092007 ou em http://www.diariocoimbra.pt/16639.htm.

quinta-feira, setembro 06, 2007

livros que me mudaram, e etc.

Kundera escreveu na sua Insustentável "O amor começa com uma metáfora. Ou, por outras palavras, o amor começa no preciso instante em que, com uma das suas palavras, uma mulher se inscreve na nossa memória poética". Pode-se dizer quase o mesmo dos livros que mudam as nossas vidas: a mudança começa com uma metáfora, começa no preciso instante em que com as suas palavras o livro se inscreve na nossa memória poética.

A insustentável leveza do ser fê-lo. e O memorial do convento, do Saramago. a Explicação dos pássaros, do Lobo Antunes. e A inocência e o pecado, do Graham Greene. o Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrel. As duas águas do mar, do Francisco José Viegas. a Mulher de Porto Pim, do Tabucchi. A velha árvore, da Pearl Buck da minha infância. O fio da navalha, do Somerset Maughaum. a Tereza Baptista cansada da guerra, do Jorge Amado. as Memórias de Adriano, da Yourcenar. o Paula, da Isabel Allende. e alguns outros (o último que cometeu a proeza foi Como um romance, de Daniel Pennac).

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livros que me mudaram III

e que uma pessoa possa mudar outra, a vida de outra, alguém duvida? e se ler um livro for encontrar uma pessoa que, de outra forma, nunca poderíamos vir a conhecer?

João dos Santos mudou a minha vida, a dos meus filhos e a dos meninos de cuja saúde cuido. Françoise Dolto demoliu-me e segurando-me depois na reconstrução. Teresa Ferreira deu-me uma espécie de força e um olhar parecido com o das crianças. João Lobo Antunes tornou-me uma pessoa e uma profissional melhor. nunca olhei nos olhos qualquer destes médicos extraordinários mas de cada um deles li tudo quando consegui agarrar. sinto-me quase perto do privilégio que seria ter trabalhado com eles.

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livros que me mudaram II

a querela continua, animada, razoavelmente disseminada. e eu a fazer, ao contrário, o inventário dos livros que mudaram (do avesso, de direcção, de sentido, de sabor) a minha vida: esses, sim listáveis (porque os que não mudaram, esses são, concordo, uma esmagadora maioria).

e um dos que, sim, a mudaram, foi O que diz Molero (Dinis Macahado), inacreditavelmente distinguido entre os dez que não mudaram Eduardo Pitta. quando abri esse livro (aos 16? 17 anos?), eu ainda não sabia que tudo se podia escrever, de todas as formas. descobri-o ali e desde então é como se procurasse em todos os livros esse deslumbramento primordial, tudo o que ainda não conheço mas tenho a certeza que será sempre possível. depois de Molero, é como se me tivesse nascido uma fé, uma fome, um sonho, uma ideia: o livro prometido.

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quarta-feira, setembro 05, 2007

Músicas

Corram, mas corram mesmo ao blogue do Francisco, para ouvir uma música fantástica que disponibiliza assim « ... e canções assim dão-me cabo do coração».

livros que me mudaram I

a propósito de mais uma cadeia em circulação ("os livros que não mudaram a minha vida"), fala-se muito de livros estes dias na blogosfera. o que incluir numa lista destas: embirrações pessoais? fugas aos cânones? indiferenças? o que é mudar a vida e, se ela mudará inexoravelmente, como saber se ela foi mudada pelo livro? e se um livro não puder, nunca, mudar-nos a vida?

a mim, alguns livros mudaram, para sempre, a minha vida. mudaram no sentido de se dissolverem nela, fundindo-se na minha história a um ponto em que deixou de ser possível distinguir o que se leu daquilo que se viveu.

por exemplo, tinha-me esquecido de que forma isso tinha acontecido com O Amante (Marguerite Duras) até o ter aberto, ontem, por acaso, e logo na primeira página me ter lembrado de como também "muito cedo na minha vida foi tarde de mais". e, sem nunca ter tido um amante chinês, me lembrar de como "é sempre terrível depois", quando é de tarde e, do outro lado da persiana que separa a cama da rua, se ouvem os ruídos da cidade a bulir e tudo em volta nos soa "incrivelmente estrangeiro". e perceber, como um murro no estômago, porque é que há tardes que se lembram para toda a vida, mesmo quando esquecemos os homens. e porque é que há homens que nunca deixamos de amar. que amaremos até à morte.

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terça-feira, setembro 04, 2007

Encomenda de Bruxelas

Recebemos hoje de hierarquias, de hierarquias, de hierarquias portuguesas uma encomenda de Queijo Rabaçal para degustar nas papilas de hierarquias, de hierarquias, de hierarquias de Bruxelas, a pôr à mesa daqui a uma semana numa salinha do Parlamento Europeu.
Cumprimos. Mandámos vir os queijos à D. Silvina, tirei a um uma fotocópia (rótulo conforme, aferição de medidas, teor de gordura, prazo de consumo, número de produtor, marca de certificação) e enviámo-la, célere, por fax. Os queijos? Comemo-los como as nêsperas do Gin Tónico com um bom tinto de Sicó. Eu sei… continuamos uns burocratas.

Dezanove quadras de Coimbra A com uma moralidade B

Foto de Tierecke 2003

De uma estação afectiva.

De novo vejo o homem na tarde de comboios.
Além, o rio estanha a luz coagulada.
Árvores acodem em moldura de quieta procissão.
Pela gare varre o vento o tempo.

Bocas eléctricas altifalam horas: e destinos.
Mulheres velhas pedem esmola na escadaria.
Profusão de revistas e cigarrilhas no quiosque.
O rio parece triste como uma pessoa deitada.

Pássaros angelizam o cartão do céu.
Um hotel jaz ao alto à saída da gare.
Raparigas de aluguer florescem à sombra da sombra.
Uma churrasqueira auschwitza frangos magros.

Amo lentamente a podridão institucionalizada.
As alunas da Escola de Dactilografia suspiram à janela.
O sol desce a meia-haste além-nuvens.
É possível morrer amando tanto.

Voltaremos de comboio a nosso passado porvir.
Estações sucederão a estações – a frio.
Apeadeiros quietos nos darão ginja, não água.
Comeremos o pão plastificado de algum desejo.

O homem na tarde de comboios não tem aonde ir.
É o destino dele – chegar a horas a nenhures.
Rubricam reclamos urgências verdes de farmácias.
Tossem peidos abusados carritos a gasóleo.

Subsolo, vigiam os nomes mortos em mármore.
Postais rápidos acodem à visão transeunte.
Pasteurizados matrimónios reciclam alheias crianças.
E a noite cabisbaixa-nos suas armas neónicas.

Coleccionamos homens em tardes de comboios:
até que um dia o dia se nos faça noite.
Não adianta coleccionar unhas, sujidades:
morremos limpos como uma folha branca – é o nosso papel.

Deriva longe de vós e de mim a maré primacial.
Somos mais naufrágios do que mares.
Domesticámos o lobo do coração: mas
lebres, não livres, corremos na neve.

Homem nas ruas da cidade sujeita à gare.
Bicho acossado pela noite comercial das ruas.
Vielas fritam fígado e sardinhas com cebola.
Polícias bocejam contra o regulamento.

Folha perene é ter vivido, caduco é escrevê-la.
Avenida até cima, alongam os plátanos a noite vegetal.
Rostos cerâmicos tragediam a comédia instante.
Uma cerveja fria arde na boca.

Discretos assassinos passeiam rondando a carne.
Museus fechados fazem de fluoxetina.
Sombras azuis como bandeiras fecham empenas.
Letras sem leitura juncam o lixo dos sonhos.

Este homem na noite sem transporte.
Eu conheço este homem em dele a noite.
Eu queria fazer um poema sobre a tarde.
Quando anoitece, mantém o formato poético, por favor.

Oh, a não lavada folhícula de alface do meio-bitoque!
Oh, o não respirado tinto da taça avulsa!
Oh, as saudades qu’eu tenho da tosse convulsa!
Oh, o jazz e o samba e a valsa e o rock!

Não. Oh nenhum. Nenhum oh. Vejo de novo
o homem na noite sem comboios, só com destino.
Altifala seu coração ulterior, bronquítico, eléctrico,
senilizando a infância como de costume.

Aparece a infância quando vos dizia do homem
dos comboios. A infância aparece muito,
nunca para redimir, antes para fazer de
Claude Nougaro quando canta a Toulouse dele.

A minha Toulouse é Coimbra: Coimbra-B.
Ela e eu temos sido B toda a vida.
Ela despede fábricas desempregadas.
Eu procuro emprego em fábricas.

Sou o homem na tarde de comboios à saída
de Coimbra-A, do destino sem comboios da noite.
Não conto para o totobola: conto versos.
Eu faço quadras.

Sou o pássaro. Sou a puta. Trago e levo
sombra. Já assei frangos, quando era
outro poeta, outro de cinzenta gabardine.
Entre Coimbra-A e Coimbra-B, tudo é de borla.

Só a vida não é grátis.

Daniel Abrunheiro

segunda-feira, setembro 03, 2007

ambivalente


gosto das praias da cidade onde vem a banhos a gente dos bairros sociais da Foz: famílias com avós e tios, mães gorduchas de calção sobre o bikini, velhotes de barriga proeminente, musculada e bronzeada e crianças, sempre muitas crianças, nuas e felizes. gosto da gente fina que se queda mais acima, antes da areia e da sua fauna, a passear filhos em carrinhos e a ler os jornais de fim-de-semana, olhando o mar, indiferentes. gosto desta separação e de Leixões ao fundo, quase distante nas manhãs de neblina.

dispenso a cidade Red Bull, as motas de água e o shopping logo à tarde para quase todos. dispenso o povoléu que deixa os carrinhos da Ikea nas estrada de Leça só porque, c'os diabos, dá muito mais jeito estacionar ali já virado para a autoestrada e ir devolver o carrinho à loja é uma trabalheira. dispenso os machos ordinários, insultando para o ar, todos e ninguém, prontos a assobiar, também para o ar, se alguém lhes fizer frente.

gosto tanto do resto de ar frio que cobre a areia nas manhãs que hão-de ser dias quentes, das vozes ainda serenas e do cheiro a algas (regressado directamente da infância), como dispenso a nortada quase certa logo à tarde.

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Ter mundo

Na «despedida» de FJV a Prado Coelho, citou MM Carrilho sobre essa condição de ter mundo. Sempre acreditei que esse é um dos bens mais preciosos onde o dinheiro gasto para o ter é mais decisivo do que num rol de bens que ficam desabaratos nas mãos de herdeiros. «Ter mundo» é um cancro benigno que se nos vai alojando na cabeça, não é transferível, não é operável, não paga imposto sucessório!
A propósito, contou-me hoje RB que um dia um amigo lhe disse que havia uma empresa que queria recrutar técnicos para o Brasil. RB ao tempo ofereceu-se, acrescentando «gosto muito de viajar!»
Respondeu o amigo:
«eles não querem gente que goste de viajar, querem gente que já tenha viajado». Isso, digo eu, é ter mundo. A condição necessária.

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