domingo, dezembro 31, 2006

Feliz 2007

Feliz 2007

A linha do norte deseja a todos os passageiros um feliz ano de 2007. Aproveitamos para informar que a renovação de passes se iniciará a partir da próxima terça-feira, basta que o formalizem com um comentário para os serviços disponíveis:

D em Coimbra B
H em Sta. Apolónia
M em Campanhã

sexta-feira, dezembro 29, 2006

morituri te salutant


Nem sei como contar. Há uma capela na Redinha que abre as portadas apenas para prenúncios de morte, ali ao pé da sede onde trabalho.
No fim de tarde, a caminho do copo suave na Ti Gracinda, ouvimos um silvo agudo, daqueles a que tens de obedecer como pássaro enganado pelo falso diálogo de amores de suposta fêmea, assobio de caçador furtivo.
Estacionada, uma carrinha mortuária. Dentro um caixão. Dentro um corpo de mulher. Não havia família por perto, apenas um homem velho, de pé, com encomenda de corpo morto para encomendar.
«Ajudem aqui!», disse o velho solista do silvo. Ajudámos. E transportámos da carrinha mortuária a caixa negra da viagem na medida do esforço de braços, o corpo feminino escondido para a ara iluminada.
Morta estava. Não lhe vimos o rosto. Não lhe ouvimos o nome. Morta ficou uma noite sem padre no frio previsível da capela, encomenda de alma adiada, até que ao outro dia, pela manhã, a terra lhe conferisse a senha do céu.
Mais tarde, na tasca da Ti Gracinda, ouvimos do longe um obrigado, silvo lento. Não foi da família nem do discurso da homilia nem dos homens indisponíveis da confraria. Foi dela um obrigado sereno. Ouvimos «morituri te salutant» como quem fala para uma nova família. Furtivo ouvido atento.
Por isso é que quero ser um dia cremado. À pressa, pronto, cromado. Sem tempo para assobios de solista que chame alguém, padres à toa, interrompendo um copo para amealhar quem me carregue, homens como nós que o fizemos na boa.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

relatório de um doce iexplore.exe



Arriscaria hoje um doce se me visses e dissesses «estás mais magro!».
Estou ligeiramente mais largo. Um iceberg para adivinhares o que escondo, largo e profundo como o caminho que nos separa:
- um doce de ovos na tua provisória sobremesa de Natal da minha parte clara.

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terça-feira, dezembro 26, 2006

natal na gândara


Frio bom que baste.
Por contraste
os quentes cheiros da pilheira,
o velho termómetro febril da chama familiar
e a saída noite fora a beber um copo e falar com as plêiades junto à eira.

O frio era tanto que este ano
ficaram apenas as prendas, a árvore
e a tela por obséquio
(sem ela não haveria presépio)
porque as figuras se recusaram a sair da prateleira.

Tolerância de ponto?
Aponto.

domingo, dezembro 24, 2006

as prendas: o problema de receber

tenho um problema com prendas: quando pacientes me oferecem coisas fico imensamente desconfortável e ainda não decidi se é por:

  • temer que quem oferece espere algo em troca?
  • sentir que a oferta gerará um conflito de interesses que gostaria de evitar?
  • a gratidão que depreendo destas ofertas resultar exclusivamente do exercício das minhas funções enquanto profissional de um serviço público, pelo qual sou devidamente remunerada (e a um nível provavelmente superior ao da maioria das pessoas que me presenteiam)?
  • sentir nesse gesto de "comparecer" com um presente perante o médico um odor do "respeitinho" típico deste país: um misto de devoção, temor, afirmação de uma posição, ameaça e garantia futura?
  • não saber, simplesmente, receber? guardo desde 1995 uma crónica de Miguel esteves Cardoso intitulada "Receber" que foi ao osso de um problema que tenho desde pequenina: receber, como escrevia MEC, sempre me custou, me fez sentir culpada (precisamente do desejo de receber), me fez sentir não merecedora.

provavelmente será um pouco de tudo em proporções variáveis, dependendo da oferta e de quem oferece, levando a que umas vezes eu me zangue, outras tente recusar (mas já aconteceu recusar uma prenda e virem oferecer-me outra, como se eu tivesse regateado), e outras acabe aceitando humildemente, advertindo embora que não seria necessário presente nenhum .

MEC dizia que "Dar sem esperar nada em troca e receber sem sentir a obrigação de retribuir é a nossa única salvação. E é tão fácil que até chateia". Mas não é, não é nada fácil.

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sábado, dezembro 23, 2006

cartão de natal 2006

FELIZ NATAL

A máquina está pronta. A máquina flameja. Assim começou esta viagem sem ninguém que viesse da Igreja. A locomotiva da linha afasta o frio e a neve e corre a toda a pressa para ir ter contigo. Ter-nos contigo. Os passageiros regulares como tu são heranças de alegria. Aos que nos espreitam, cúmplices do invisível, sem deixar rasto, deixamos cartão de embarque.
H decretou bar aberto e distribui generosos copos de gin, partes de poemas e amendoins. M espalhou pelos corredores enfeites de papel de lustro, orquídeas e coloridos sorrisos largos. D diz, dançando entre os passageiros, que este fim-de-semana é grátis e põe música e cigarrilhas nas orelhas.
Estamos a chegar, não sentes? Já te cheira a fumo da máquina? Já avistas a luzinha (nossa estrela polar) ao fundo do túnel?
Ajeita o cachecol, põe as luvas, puxa o gorro para os olhos. Breve, muito breve chegaremos para te dizer FELIZ NATAL 2006!

D H M

quinta-feira, dezembro 21, 2006

o meu precioso tempo em finais de 2006


Há tempos decidi confortar-me (ou confrontar-me!) ao espelho de todas as manhãs com o corpo que me restou dessa aventura de juventude, que ali agora espreita e teimosamente demora, trémulo, milimetricamente desfocado, à esquina da saudade.
Privilegio cada vez mais o que agora penso, retendo, por enquanto, a ainda inesgotável alegria de saber dizer do meu saber acumulado.
Se fosse um conteúdo dentro de um frasco,
escreveria em rótulo mínimo,
- o filtro dos teus lábios
esse sabor, desse saber que retiveste açucarado.

inverno


Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.

Vem de sobretudo,
vem de cachecol,
o chão onde passa
parece um lençol.

Esqueceu as luvas
perto do fogão:
quando as procurou,
roubara-as um cão.

Com medo do frio,
encosta-se a nós:
dai-lhe café quente
senão perde a voz.

Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.

Eugénio de Andrade

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segunda-feira, dezembro 18, 2006

o gosto de ser menino (para a Isabel da Gramela)

Aprendi numa taverna em conversa de dois velhos que os homens se fazem homens quando constatam que precisam de comprar uma gravata preta para ir a funerais. É isso o ser homem, disseram. Ter gravata preta disponível para homenagem de quem parte.
Ultimamente tenho ido a funerais que baste. Uns previsíveis, outros porque o Deus de quem nele acredita decidiu chamar cedo demais ao reino dos céus.
Morreu-me uma amiga. Digo amiga, porque nunca discuti com ela a árvore genealógica entre tia e prima, boa que era a relação de sangues.
Perdeu marido e filho num nevoeiro de estrada. Aguentou firme na sua idiossincrasia. Caiu na semana passada de pé com a mesma firmeza quando a vi viúva naquele outro dia do nevoeiro de estrada, olhar distante, mas firme, no futuro que restava.
Governava uma quinta que me ficará na memória – quinta da Gramela - onde a família passou natais felizes. Tinha a habilidade de juntar a família de África e a família da Gândara num perfume precioso e os amigos, chegados à fogueira da cozinha ou do salão na conivência dos cães, tinham vinho, um sorriso, comida e conversa farta, sendo pertença por uma noite grande desta azáfama de bem-estar. Em sua homenagem não levei gravata preta, que não tenho, aliás. Mas porque para ela eu fui sempre o primo do filho e fio fiel de família. Um menino como o dela, meninos alegres, felizes, que nada tinham de homem de gravata preta. Chamava-se Isabel. Para que conste!

domingo, dezembro 17, 2006

O Brasil branco, moreno

Depois desci para São Paulo, Santos e São Vicente, o Brasil da centelha da portugalidade. Na praia do Gonzaguinha - hoje Tom Jobim pela sagacidade política do prefeito Márcio França! - lá está o padrão da Mensagem do Pessoa no areal moreno, “pedra do mato” e, nas rimas, para diante naveguei a nossa história como quem se abeira de um presépio luso e se espanta como um animal a rédea solta.

Quis o destino um privilégio: um amigo com poder no poder ofereceu um camarote para o mais recente espectáculo do Caetano Veloso. Foi em Santos, faz hoje oito dias. Fomos. Arrepiou de tão próximo. Coisas que se sentem sozinho.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Bahia dos desejos


A Bahia é uma saia grande de areia a roçar o mar, maré de música colorida, cheiros de moqueca e casquinha de siri. Vestem-na gentes de ébano, orixás de Oxalá, estética negra, muitas personagens de Jorge Amado, andando e andando numa percussão perfeita de Ilê Aiyê dos Matingueiros. Percebo agora que mesmo com a deriva dos continentes, quase toda a África se mudou para ali.

A Bahia é também uma via-sacra dispersa, 365 igrejas (uma por cada dia do ano) de portas abertas, coroando-se no Sr. do Bonfim, uma pulseirinha no punho, um colar ao pescoço e três desejos.


A EXPO Brasil – Desenvolvimento Local onde estive é um congresso dos excluídos da grande economia. Dos “sem-terra” a gentes da Cidade de Deus, do bairro do curuzu aos confins de Angola e Moçambique, do Quebec a São Tomé. Mas esta aparente pobreza tem uma força imensa. A cultura que encerram e o respeito pela interculturalidade e vontade de integração em projectos de desenvolvimento – não absorção! - com outros povos, alimentam esta rede informal de alegrias que se junta, se solidariza e é criativa nas soluções para o bem-estar de cada um em cada parte. Para quem não conhece este movimento parecer-lhe-á um “lá longe marxista” do outro século. Para quem participa, mesmo com algumas dúvidas de vício europeu como as minhas que aqui confesso, é sentir que há homens e mulheres nos buracos negros do mundo que se transformam naquela energia mínima onde começa a vida e dela fazem mundos para os vindouros. Que esta energia não acabe nestes homens e mulheres que acreditam, ó Sr. do Bonfim.

Se és um Deus que acredito saiba dançar,
mete berimbau no altar,
reza capoeira, mantém as igrejas abertas da Bahia por eles, uma por cada dia. Esse foi um dos meus desejos
conversando com o mar que ali dormia.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

flores desaparecidas

jukebox com fotografia: Faded Flowers dos Shriekback
("oil and gold", 1985)

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quarta-feira, dezembro 13, 2006

avenida das tílias

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quinta-feira, dezembro 07, 2006

recado


querida H,

D anda pelo sul do mundo, tu deves estar a fazer as malas para vir para norte e eu, só de saber que aí vens, andei todo o dia numa excitação como a das crianças - que andam há uma semana a contar os dias que faltam para chegares (não só os que faltam para chegarem as tuas filhas e a brincadeira pegada que elas trazem, mas os que faltam para vires tu própria e o fascínio que exerces sobre eles). hoje de manhã gritaram: "só falta um dia para a H chegar" e desataram a rir-se alto, provavelmente só de imaginarem as histórias malucas que lhes vais contar e as interdições que à sucapa lhes vais levantar (a I ainda se lembra que foste quem lhe deu a sua primeira chiclet).

venho avisar-te que aqui chove, chove muito, como choveu 3 dias a fio naquele julho de 1980 em que nos conhecemos e ficamos todo esse tempo dentro de tendas húmidas e ressoadas a preparar noivados de sepulcros e outros contos de mistério e imaginação, dias inteiros uns com os outros, tão próximos, tão despojados, tão fora do mundo que, ainda não o sabíamos, isso nos ligaria para sempre. chove no Porto como chovia no teu livro, o teu "Corpo de Chuva" (essa história de sedução, de corpos encostados a janelas sobre o norte). chove como já nos choveu muitas vezes na alma. chove como há tempos vimos chover na serra e aprendemos que

"Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem. Cada qual como é." [escreveste depois que esta frase do Pessoa "Estava na Casa da Geia, escrita à largura da parede branca. Estava à nossa espera esta chuvosa verdade ensolarada."].

chove mas daqui a nada chegas, no cumprimento do ritual que continua hoje a nossa amizade antiga: juntarmo-nos e aos nossos em dias de conversa e vagar pela casa, cafés, cigarros, música e fotografias. mais conversas e, ao fundo, o som das crianças. adivinharmos nelas a possibilidade de se terem assim: o inesquecível de cada encontro, a saudade mais que certa, os laços invisíveis que as segurarão por dentro.

chove, mas tu vens aí.


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segunda-feira, dezembro 04, 2006

viajar para o Sul


Se nada de extraordinário acontecer, na próxima madrugada faço as malas, cumpro o desejo de M e parto para o Sul. Vou fazer do Equador um trapézio lá pelo meio da tarde de terça e deixar-me cair onde o mundo agora começa a ancorar o sol e o sal na pele.
A caminho do Brasil, vou na velocidade de D. Maria I:
«Não vão tão depressa! Eles vão pensar que estamos a fugir!»
No regresso não direi como D. Carlota Joaquina:
«Nem nos calçados quero terra do Brasil.»
Tomem conta da linha. Deixo a chave de Coimbra B no sítio do costume: o vosso coração! Volto a tempo dos cartões de Natal. Trarei um conto que depois conto.

rádio caos, do outro lado do fm



no BKC

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domingo, dezembro 03, 2006

não consigo esperar por abril


e deixo já aqui este pedaço de poema que o december dos waterboys me espalha na memória (misturada com o desejo de, no inverno, viajar para o sul):

"April is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing
Memory and desire, stirring
Dull roots with spring rain.
Winter kept us warm, covering
Earth in forgetful snow, feeding
A little life with dried tubers.
Summer surprised us, coming over the Starnbergersee
With a shower of rain; we stopped in the colonnade,
And went on in sunlight, into the Hofgarten,
And drank coffee, and talked for an hour.
Bin gar keine Russin, stamm' aus Litauen, echt deutsch.
And when we were children, staying at the archduke's,
My cousin's, he took me out on a sled,
And I was frightened. He said, Marie,
Marie, hold on tight. And down we went.
In the mountains, there you feel free.
I read, much of the night, and go south in the winter.

(....)"

T S Elliot, The Waste Land

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sábado, dezembro 02, 2006

a divina comédia


Trata-se de uma edição especial, bilingue, numerada, assinada por Vasco Graça Moura e cunhada por Júlio Pomar. Inclui 33 desenhos de Júlio Pomar alusivos ao Purgatório e 10 retratos inéditos de Dante Alighieri (3 a óleo e 7 a carvão), feitos propositadamente para esta edição.

Parece que só há 1000 exemplares na Bertrand Editora. A 75 euros. Melhor, talvez 999, porque um já cá mora em Coimbra B.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

sida, simas


Hoje é o dia mundial do Simas. Foi pouco depois da sua morte que mudei o nome ao flagelo.
Sócio honorário dos CAMPOS - uma flor debaixo daquela pedra.
Acreditei quando um dia o Simas disse do futuro dos CAMPOS: nós acreditamos em nós! E a nossa geração destilou bem esse desejo.

“Dizem
ilha, alambique de azul
e sol
a destilar hortênsias.

Mas
a minha ilha
(ainda pulsa).
Por isso eu sei
que o mar tem coração.
E sei que,
ali,
as palavras têm medo da noite
antes do mar.”

Simas, José

o mês mais cruel



hoje sinto-me como se toda a vida tivesse esperado por um blog: para poder partilhar coisas como começar o mês ao som avassalador deste Waterboys, o fulvo estonteante das árvores que avisto do meu trabalho, a culpa por nunca ter chegado a tempo de telefonar à F (e por ela ter decidido morrer num dezembro assim), as saudades terríveis de tudo o que poderíamos ter sido.


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