quarta-feira, novembro 29, 2006

Estou?


Telefonou a esta hora - onde se ilumina a luz dos eternos desejados! - para dizer que só me consegue ler depois de um copo e um cigarro na mão. Coisas do fígado e do pulmão que desnudam o altar onde rezaremos por mim, por ela, uma oração.
«A porta ainda está aberta?»
«Está… estou pois!».
(E está a lareira acesa
e na mesa o livro que me emprestaste para te ler!)
Demoras ou fazes truques com as horas?

terça-feira, novembro 28, 2006

felino


Há noites em que na casa movimento-me como um gato. Uma dona ou um Deus deixou-me tudo preparado: espreguiço a preguiça, passo nos espelhos altivo, rebolo-me no sofá, esfrego a língua nos olhos, alimento-me pelos pequenos pratos e durmo em qualquer protegido canto.

Há noites em que em casa apenas te dizes que estás.
E música, o jazz do Gato Barbieri,
numa confissão.

Há noites em que o silêncio vindo de mim é eterno,
(felino) e as palavras dos livros e da boca uma comichão
– bichezas de pêlo para coçar, como gato entretido rente ao chão.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Cesariny

Mário Cesariny ficou na madrugada de ontem (a boa hora dos noctívagos) desprendido do país. Passou a “cadáver esquisito” – a técnica de criação que moldou no Portugal surrealista. Antes que se perca, passemo-lo a limpo.

passagem a limpo

O navio morto
que sobe a corrente
de que velho porto
era o adolescente?

Cingia-lhe a boca
água e nevoeiro?
Tinha muita, pouca
falta de dinheiro?

Bom barco, subido
aos da mor igualha,
tens o ombro ferido
até à fornalha

E puxado a cabos
- este rei de oceanos! –
por ginasticados
loiros namorados
a diesel e canos

Foi-lhe a estrela má.
- E se recomeça?
- Vamos aqui já
enterrá-lo depressa.

Cesariny, Mário, Pena Capital

domingo, novembro 26, 2006

"faltavam-lhes muitas vidas"

soube as más notícias já depois de no post anterior ter eleito o Respirar o Mesmo Ar como o melhor blog colectivo de 2006.

"É quase impossível falar disto. Sabemos que estamos ligados nesta estupidez de sentir. No Record e no DN. No nosso silêncio estuporado, a Cláudia. Eram todos muito novos e faltavam-lhes muitas vidas."

JPN no Respirar o Mesmo Ar

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melhores blogs de 2006


confesso: gosto destas votações blogosféricas. no Geração Rasca elegem-se até 7 de dezembro os melhores blogs de 2006, segundo seis categorias. no meu caso, que navego na blogosfera sem distinções de género ou de tema, apenas à procura de uma boa conversa escrita, esta divisão resulta um pouco artificial e ter-me-ia sido muito mais fácil votar simplesmente em 4 ou 5 melhores blogs. o Da Literatura é temático? só no nome. o Respirar é colectivo? mas a alma é do JPN. e de que falamos quando falamos do melhor blog? daquele que visitámos mais assiduamente (nesse caso elegeria o Respirar)? optei por considerar aquele que reconheço como mais completo, mais elaborado, mais assíduo, mais interactivo (mas e que fazer se há outro?). convicta, convicta, só mesmo o Estado Civil como blog mesmo masculino.

como exigido e com todas estas condicionantes aqui vão então as minhas escolhas:

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sexta-feira, novembro 24, 2006

e se?

(foi há um ano - fotografia do Hugo S)

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a vida é bela


Dizer que o atraso da hora a que chego é de trabalho feito.
E vida bela.
M tem 10 músicas novas, diz que para amanhã.
H não diz. Presumo que ande numa outra vida bela.
Por elas, desejo que andem algures por aqui.

quinta-feira, novembro 23, 2006

palavras públicas

Depois de tornadas públicas

(mesmo as escritas apenas de mim para ti
e lidas por ambos em segredo
- o nosso código perdulário do tempo!)

as palavras solidificam-se
numa espécie de carimbo datado.

Para os dois passam a ser um atalho
tão certo o rosto no rosto
o resto no resto
como ao fisco te declaram o ordenado.

terça-feira, novembro 21, 2006

descanso para um dia de cansaço


A última coisa firme que ergues é a chave contra a ranhura da porta. A casa aguarda-te como sempre. Troca de roupa. Deixa os pés descalços para as últimas lides antes do merecido repouso. Senta-te no sofá azul. Hoje chegas com o corpo a trabalhar a vinho do Porto. Dá voz ao Zeca, põe fogo no incenso, prepara um banho com muita espuma. Já está quente? Leva cigarrilhas, o copo do Sisa e o saco dos figos passados. Já cheira o incenso? Consegues ouvir o Zeca da sala? Enche o copo, não te acanhes. Mergulha o dia. Antes, endireita o quadro do corredor com a nossa descuidada fotografia.

domingo, novembro 19, 2006

oração dos aflitos

Reza assim:

«Aflita se viu a Virgem Maria aos pés da Cruz. Aflita me vejo eu. Valei-me Mãe de Jesus. Confio em Deus com todas as minhas forças, por isso, peço que ilumine meus caminhos, concedendo-me graça que tanto desejo. Amén. Reze durante três dias e faça três pedidos: um impossível e dois difíceis. No quarto dia, publique esta Oração.»

Por cá rezei como sei. Dos difíceis, fiz um pedido por H e outro por M – sentirão logo na primeira vez que se lembrarem de mim.
O pedido impossível também foi feito. Não conto. Espero alvíssaras e, por elas, ao quatro dia, aqui publico (aflito) a oração.
Conto: está outra vez aflito o coração!

república das bananas (história verídica)

Na passada sexta-feira, quando cheguei a casa vinda do trabalho, a primeira coisa que o meu filho me disse foi:
- A professora foi-se embora.
- Foi-se embora como?
- Foi-se embora - manteve ele.
- Mas como é que foi isso?
- Foi às cinco e meia, disse que estava cheia de nós e foi-se embora, - explicou.
- Mas alguém se estava a portar mal?
- Não, estávamos a fazer um problema e não percebíamos.
- E a professora foi embora a meio do problema?
- Não, explicou-nos como era, disse que estava farta de nós e saiu da sala.

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sexta-feira, novembro 17, 2006

país de cristal II


o meu filho vive agora nesse país esplêndido. começou com os tintins e cedo reinventou um velho truque meu: depois de despachada toda a colecção, durante algum tempo fingiu interessar-se por outros títulos mas apenas o suficiente para se esquecer um pouco das histórias e poder voltar a ler cada uma delas com o mesmo prazer da primeira vez. deu assim cinco voltas à colecção, antes de se abalançar para outras paragens.

é espantoso o uso que ele dá aos livros, objectos lúdicos (aos montes pelo chão do quarto, entre o castelo, os cavalos e os adereços de espionagem), transumantes (em perpétuo movimento entre prateleiras, ao sabor de afinidades movediças e da cor, tamanho e espessura das lombadas), familiares (soltando "oh"s e "ah"s de prazer quando reencontra na prateleira um volume que gostou de ler mas que nunca mais voltou a ver "olha este"), parte integrante dos seus dias, da sua vida.

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país de cristal


descobri o prazer de ler quando era garota: os lanches de scones e limonada dos "cinco" cujo sabor me ficava na boca, as histórias exóticas que crianças como eu viviam do outro lado do mundo e que lia, relia e treslia ("Um dia feliz", de Pearl Buck - perdi o meu exemplar mas nunca mais o esquecerei), ou apenas a colecção didáctica "Uma aventura no mundo" cujas irresistíveis propostas davam ao meu real um toque de fantasia. ainda hoje, se abro um desses livros (sobrevivente dessa outra minha vida que foi a infância, esse "país de cristal"), sinto a envolver-me um entusiasmo e um deslumbramento que reconheço dessa época.

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orujo com miel



Trouxe de Espanha uma feliz constipação e um licor de orujo com miel, “El Coterón”. Resolvem neste momento o assunto entre si na boca cheia que verti do copo para o corpo.
Ficaram os lábios doces. Será um desperdício se deles, tu

não te aproveitas
e eu com o sabor beba garrafa e tudo.

quinta-feira, novembro 16, 2006

brindai

a mais essa que vida que vive, desde ontem!

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VL, mulher que me fez vida


Para VL


Acredito em H quando aqui escreve «que a felicidade, às vezes, se faz de coordenadas secretas.» Peço permissão a M de avançar música mais depressa na nossa irregular cadência do tempo, porque VL merece. É que há outras mulheres na minha vida que me contornaram os limites do desejo com uma mesma garantia de felicidade por perto. VL, no caso, fez-me crescer musgo na pele (hoje carinhoso), deixando nela o bom tempo que foi.

Não guardámos lugares – era apenas um telefonema disponível, uma correria de carro, depois uma sala pequena, uma estante de livros, sofás de começo de vida, mesa de palha com um cinzeiro sempre cheio, copos, horas de conversa boa, música e, no outro lado da parede, um colchão vazio com um edredão que nos aconchegava o amanhecer do resto das conversas noite dentro. Uma coordenada secreta.

As paixões dormem como as princesas. Quando agitadas - como quando escorregamos na cabeça de um fósforo, a exemplo, como o de hoje - crescem por ela uma antiga chama e o vento de levante sopra no farol outrora apagado acesos azimutes de conforto.

Um dia, quando a sorte do tempo nos fizer encontrar, falaremos disso. À mesa dos simples. Não digo onde, dir-lhe-ei apenas onde estarão por tempo indeterminado, disponíveis, a limpidez dos meus olhos para os dela, outra coordenada secreta.


quarta-feira, novembro 15, 2006

Viagem na aba de Espanha




Se a fronteira fosse um zip de duas línguas, direi que andei estes dias pela aba espanhola, descendo de Ciudad Rodrigo a Cáceres, Botija e Montánchez. Cá ao cimo, na correnteza das águas do Águeda, descobrindo a Estacion Rupestre “Siega Verde” – riscos no xisto – com o mesmo traço de Foz Côa.
Depois descer a linha num fim de tarde atencioso para o viajante, Plaza Mayor de Botija, um espaço largo, “cañas”, “picoteo” e as “Villasviejas de Tamuja”, um castro protegido pelo leito do rio com cuidado atento de arqueólogos competentes.
Aqui somos transfronteiriços, uma mestiçagem de territórios e de gentes do mesmo ofício.
Nestas frágeis águas da cooperação não procurei nada, contei o que fazemos, vi e ouvi apenas, plasmando sítios e projectos para desafios futuros.
No cimo do bolo, a cereja: Montánchez. Um novo lugar onde a vida me levará uma outra vez ao património, aos sabores e aos rostos firmes que até aqui desconhecia.
Tudo o resto corre no Águeda e no Tamuja, caudais de memórias rolando granito e xisto nos desejos que se avizinham, fortificação de um futuro próximo dos rostos que por vontades se diluem.

terça-feira, novembro 14, 2006

long lost: sebastian

é só uma música quase demasiado bonita de uma banda perdida (Steve Harley & The Cockney Rebel) e que me leva a lugares (a dias, a pessoas) desaparecidos do mapa.

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... de lugares


Há lugares em mim que não têm geografia. Não os sei apontar a dedo num mapa. Muito dos lugares onde fomos imensamente felizes, como diz M, não os sei localizar num mapa. Sei-lhes o nome, sei-lhes os cheiros e o sabor do frio das madrugadas ou só o escuro das noites em que frágeis, fortemente crescemos. Lembro as casas onde ficávamos, mas suspeito que as confundo na paisagem. Os lugares do afecto recusam em mim uma geografia.

Já dera por ela ... mas D, no seu post “lugares”, reavivou. É como um bloqueio, cortei as estradas e as linhas reais a esses lugares. Ficaram e deixaram-se em mim como que lugares perdidos e inacessíveis. Não sei porque se processou assim em mim, mas não foram as cheias ou as trovoadas que lhes vedaram a acessibilidade. Suspeito que tenha sido um processo involuntário de dizer que há lugares que só têm tempo e não geografia. Que há lugares, não mapeáveis, a que o mundo não pode chegar com excepção dos que lá estiveram e esses, sabem-nos. Que a felicidade, às vezes, se faz de coordenadas secretas.

segunda-feira, novembro 13, 2006

verão de S. Martinho, mesmo


acreditem ou não, ontem, no magusto da praxe, apanhei um escaldão. acho que agora moro num país tropical.

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sábado, novembro 11, 2006

A Ti Gracinda


A Ti Gracinda, 81 anos, viúva muito viúva, dona de uma educada elegância e herdeira de uma das últimas tascas da Redinha, vivendo sozinha, caiu outro dia ao chão ao levantar-se pelas 7 da manhã.
Descrever a tasca é falar de mármore e mobiliário de madeira antigo, exército de copos de várias graduações, foscos de sarro como óculos viúvos e tem de animação serena o esvoaçar das moscas como os aviões nos aeroportos atraídos por vinagre ao chão do mármore, onde as estações trazem desfiles de condutos para o aconchego do vinho, que prepara, disponível, com velhos requintes: hoje castanhas assadas!
Tem um filho presente, o Ti Albino e um neto, o Ti Gil. Não lhes conhecemos das mulheres, na tasca delas ouvimos apenas falar. Ali tratam-nos todos por “Ti”: o Ti D, o Ti RB, o Ti RC… em conversas de fim de tarde onde o tempo se alimenta de memória.
Hoje contou-nos a queda de forma tão tranquila como a idade:
«Levantei-me, senti uma tontura e cai. Chamei por ajuda quase duas horas até o Gil arrombar a janela, erguer-me, chamar a ambulância e levar-me para o hospital. Cá estou enquanto Deus quiser.»
E enquanto eu bebericava o resto do branco com o Ti RB e o Ti RC, acrescentou o que retivemos de essencial:
«Ofendi a coluna, foi o que foi!»
Deus a faça abrir-nos a porta todos os dias.

sexta-feira, novembro 10, 2006

o que eu já fiz desde as 8 da manhã


  • preparei o meu pequeno almoço e o dos filhos: uma chávena grande de café escuro para mim, leite e iorgutes para eles, torradas com manteiga para todos;
  • levei cada um à sua escola, a pé, sob um sol matinal eslêndido e fiquei feliz por não haver greve na escola pública que um deles frequenta;
  • comprei 40 pães e enquanto mos ensacavam, li, numa Pública de há 2 semanas que estava no balcão da padaria, uma entrevista ao Prof. Mário de Sousa, triste e revoltado por o seu projecto de instalação do primeiro serviço público de excelência em reprodução medicamente assistida ter sido paralisado por uma máfia politiqueira;
  • ao tentar pagar os pães constatei que não tinha dinheiro comigo e fui a correr ao multibanco mais próximo, desfazendo-me em vergonha e desculpas;
  • já em casa, enviei meia dúzia de e-mails a rematar os detalhes de um magusto para o fim-de-semana;
  • enviei mais um e-mail, retorquindo à resposta que a Inspecção Geral de Educação deu a uma queixa minha sobre a escola de um dos meus filhos;
  • saí para comprar fruta, iorgurtes, bróculos e bifes de perú que, de volta a casa, temperei com alho, sal e vinho branco;
  • tirei a roupa lavada da máquina mas só estendi 2 ou 3 peças de que gosto mais: uma camisa branca, uma toalha e o bebé-chorão da minha filha;
  • fui buscar um dos filhos à escola: enfarruscado e com a barriga cheia de castanhas quentinhas e boas;
  • almocei bolinhos de bacalhau com salada de feijão fradinho;

Não, não estou de greve. Dentro de 20 minutos (um nada exausta, já) vou pegar ao trabalho.

"o que eu já fiz desde as 8 da manhã" foi um post do Ma-Schamba há uns meses atrás

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as cartas de amor, segundo Inês Pedrosa (Expresso, 1990)

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lugares

serra da estrela - e deixava o meu amor se cá ficasse

Sou um viajante agarrado a lugares onde estive e viciado a marcar percursos onde irei um dia.
(Queres?)

Terra e coração.
(Conheces-me!)

Terra é o Google Earth onde assento criteriosamente “placemark” nos sítios onde estive, aqueles que me desnudaram o mundo à superfície da pele.
(Queres ficar?)

Coração é um Google Heart corajoso, uma outra forma de respirar, que me leva a partir da pequena biblioteca multimédia que aqui em casa colecciono, cúmplice em livros de viagem, música de ir, palavras em favos de mel que adoçam o desejo, fotos com todos os pontos-de-luz dos pirilampos que entusiasticamente iluminam o caminho.
(Queres partir?)
«Com H o poema era perfeito
com M a guitarra era afinada...»



quarta-feira, novembro 08, 2006

bonjour tristesse

"(...) Como sabe que já não consegue manter um diálogo comigo entra-me directamente no corpo, estremece-o, abana-o, agita-o. Passado o primeiro choque sorrio-lhe como quem sabe que tem de tirar um tempo para lhe dedicar. Recebo-a com chá, mando-a entrar para a sala valeriana, estendo-a na marqueza, faço-lhe uma massagem. E no fim, quando dela me despeço, ouço sempre Caetano."

JPN no respirar o mesmo ar

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terça-feira, novembro 07, 2006

Aatttchimmmm!


O projecto «gripenet», desenvolvido pelo Instituto Gulbenkian de Ciência, lança uma campanha de vigilância epidemiológica da gripe on-line.
Aatttchimmmm!
Perdoem-me a sabedoria dos cérebros do Instituto e de M sobre o assunto, mas de gripes – essa bicheza que nos une nas noites de Inverno – é assunto com tratamento antigo.
Vigiar os bichos e dar-lhes tempo.
Aatttchimmmm!
Visto com prazer, garante os bons aconchegos da cama, balda ao serviço dos dias, um excelente suor de emagrecer, tempo de música e de ler com fogueirita perto, tapado com um cobertor de papa. Destapa, tapa, sua, levanta, deita. Deita… tens tempo que sobre para apenas ver chover.
Proponho um velho genérico com um mesmo princípio activo: dois limões espremidos para um copo largo. Mistura uma colher de sopa de mel. Deixa repousar. Deita-te e tapa-te. Escolhe a música e o livro. Bebe a mistura de um trago. Repete três vezes a cada hora.
Se não funcionar e andares de Aatttchimmmm no dia seguinte, aproveita o limão e junta no copo gelo, tónica e uma boa medida de gin. H saberá explicar esta alternativa melhor que eu. De seguro, nesta hipótese, deita-te uma vez mais e tapa-te. É primário. Gozo sumptuário. E bebe, ouve e lê. Acamado.
Aatttchimmmm!

bússola



Acredito que seja do lugar onde se nasce. Os que nasceram a Norte discutem com os do Sul o Equador – linha que os separa.

Os que nasceram a Leste discutem com os do Oeste o trajecto do sol – luz que os une.

A linha é um azimute que não tem opinião.
A luz um degrau do amor onde podemos dizer não.

domingo, novembro 05, 2006

sobre "o homem dos homens"

Luíza Burnet, onde o LFV não toca

A “Pública” articula hoje texto sobre “o homem dos homens”, George Clooney. Dou de barato a evidência, embora não seja literalmente um dos “meus homens”. Aliás, gosto do outro género – mulheres – para quem escrevo aqui algumas vezes.

E a mesma “Pública” equilibra a edição, mostrando mulheres de 40, “os 40 são os novos 30” de Elizabeth Hurley a Madonna, passando pela gargantilha da Catherine Zeta-Jones e o corpo perfeito dos quatro casamentos e um funeral de Andie MacDowell.

Citando o bom gosto de Luís Fernando Veríssimo:

«Só acredito naquilo que posso tocar.
Não acredito, por exemplo, em Luíza Burnet.»

Para essas escrevo até que me leiam um dia e disso façam saber, sabendo da verosimilhança, cálculo de probabilidade. Tornar-se-ão estrelas próximas a que pelo menos com os olhos poderei chegar, trocando palavras e fotografias pelo correio.

o tempo, ainda

há fotografias que eu conhecia de um tempo em que ilustravam uma vida ainda próxima: corpos reconhecíveis e passados ainda frescos - plenos de futuro. mas agora encontro em cada uma dessas imagens uma luz desconhecida: a marca inexorável do tempo, o gume de uma faca que me atravessa ferindo-me a memória de todas as histórias que já se cumpriram, devastando assustadoramente o futuro, essa lâmina de tempo que nos resta.


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dizia como brisa

Hoje dou-me nas palavras dos outros. Dos sábios. Para todos:


“ LXVI.dizia como brisa


Convencionalmente,
Empregou o pronome masculino ele. Mas ele era também um substantivo porque, em imagem,era o nome que lhe dera. Assim, nome e pronome confundir-se-iam, mas essa era a prova ética e estética por que teriam de passar.


A consubstanciação entre o nome e o pronome foi tão forte que quis intempestivamente subir para o alto da cúpula, fechar a porta,ou seja, o orifício, sobre o único ser que amava. Fantasma e vivo colidiam, estavam a colidir porque a antiga liberdade de ler permanecia activa. É o correlato da minha liberdade de escrever, e da sua paixão,
que incidia nesse ser ---- Ele. Nesse momento, a diversidade de cartas que eu tinha de entregar, pesava-me. De cartas escritas,
flecti para cartas de jogar, e verifiquei que queria arriscar tudo com um único trunfo,num único baralho.
Era possível que as cartas ( de escrever) convergissem e, na sequência uma das outras formassem um amplo papel onde caíssem, para serem embrulhados, todos os afectos que uniam os seres de pregas aos seres compactos.
Mas as caligrafias misturavam-se,vociferavam,faltava sempre um aspecto, ainda por cima indeterminado,que pertencia a outro punho. Quem escrevia Parasceve não escrevia Ele. Era a tortura da não unidade das árvores que se confundiam para abalar torrencialmente a segurança do nível de folhagem a que ela vivia. Presença não é identidade. Haveria continuidade entre Ele e Parasceve, ou teria de renunciar ao princípio da continuidade das formas ?


«A quem vou escrever esta carta», perguntei, «enviar esta pergunta que dilacerei com o sumo da minha boca ?»
«Falas de saliva ?», inquiri em voz alta.
«Sim, de saliva»,respondeu-me: - O sumo perdido do amor. “

Maria Gabriela Llansol em “ Amigo e Amiga – curso de silêncio de 2004 “

sábado, novembro 04, 2006

olhares quietos


«Queres um copo?»
«Não! Bebo pelos teus olhos.»

sexta-feira, novembro 03, 2006

será que chove no fim do mundo ?


Para G

Ontem choveu muito e estava eu com a alma enlameada quando me pus no carro de retorno á casa. Estava eu e a chuva no vidro do carro e tive uma saudade súbita, uma vontade imensa de mudar o caminho e permitir-me a fazer o destino. Acontece-me, amiúde, ter vontade de perverter as horas. Mais apetecível ainda quando chove e alma se enrola cinzenta. Tive vontade do calor de uma conversa, do afago que as palavras podem ter com algumas pessoas , do deixar respirar a alma enquanto o vinho tinto respira e abre no copo.

Marquei o número certo, suspeitando-o do outro lado do mundo. Recusaram-me a chamada em sinal de fim do mundo. Nova Iorque. Depois escrevi em sms rápido “ fazes cá falta “... porque era mesmo só isso que eu queria dizer, era isso que me pingava no vidro da alma sem limpa pára- brisas a funcionar.

O inverno será longo, o tempo é- nos eterno como tão bem sabemos e outra chuva te trará para junto das palavras. Copo de vinho, só eu... que ela só mesmo de imperial gelada.

descida das vidas no rio


Ao olhares-me como nesta noite de luzeiros, olhas,
tranquila, assim da queda da nascente,
corpo de mãe-de-água,
lá bem no cimo das primeiras pedras,
(fio de água filtrado nas primeiras areias)
és mulher de uma sensatez comprometida.

Navega no espelho de água o veleiro da nossa vida vivida!

Mas quando intranquila apertas as margens,
ou os lábios, adianto seios,
por uma espera por mim entre as pedras da foz,
o rio ganha a água dos teus olhos,
indecisos, corrente da vida.

E discutes – agora com olhos secos - apenas a hora do dia
em que esperarei por ti, feroz, alma quase consumida.

quarta-feira, novembro 01, 2006

a banda e a tuna

Penela (Abril 2006)

Por o Chico andar com a banda por aí e porque a música me faz sempre recordar «O Barão», do Branquinho da Fonseca. Grande livro. Grande Tuna, a do Sr. Alçada. Acabei de ler «O Barão» na minha velha edição dos livros de bolso da europa-américa.
Maio de 1985. Ainda se lembram?

“E o Barão falava do Brasil, das florestas do amazonas, das brasileiras, «as mulheres mais belas do mundo!»
Discordei: «As nórdicas, as inglesas, as alemãs…»
Interrompeu com sincero desdém de conhecedor: - «Isso é como salada de alface. Sabe bem com a carne… Eu sou carnívoro… E vejo na mulher, além disso, o meu primeiro inimigo. É a única coisa em que eu e o meu prior somos da mesma opinião…”


E depois a Tuna do Sr. Alçada…

" - Aqui tem o Senhor Alçada, mestre da Tuna.
O senhor alçada dobrou-se numa vénia exagerada e, pondo-se outra vez direito, perguntou com entoação ridìculamente solene, orgulhoso da sua arte, desenrolando a língua travada pela gaguez ou pelo medo:
- Senhor Barão, às suas ordens.
- O Verde-Gaio!- gritou o Barão..."


"em novembro


é de abril e maio que me lembro" (Porto, 2005)

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o meu calendário interior

"Não há ninguém à entrada de novembro.
Vem como se não fora nada.
A porta estava aberta,
entrou quase sem pisar o chão.

Não olhou o pão, não provou o vinho.
Não desatou o nó cego do frio.
Só na luz das violetas se demora
sorrindo à criança da casa.

Essa boca, esse olhar. Essa mão
de ninguém. Vai-se embora,
tem a sua música, o seu rigor, o seu segredo.
Antes porém acaricia a terra.

Como se fora sua mãe."

Eugénio de Andrade in "Branco no Branco" (1984)

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